Câmara aprova emenda que tira direito de voto de presos provisórios; medida vai ao Senado
nov, 20 2025
A Câmara dos Deputados aprovou na noite de 18 de novembro de 2025 uma emenda que retira o direito de voto de pessoas presas preventivamente — ou seja, aquelas que ainda não foram condenadas, mas estão detidas por decisão judicial enquanto aguardam julgamento. A mudança, parte do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado (PL Antifacção), foi aprovada por 349 votos a favor, 40 contrários e uma abstenção, em uma sessão que se estendeu até a madrugada do dia 19. A proposta, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Partido Novo-RS), altera a Lei de Execução Penal e o Código Eleitoral, determinando o cancelamento automático do título de eleitor de qualquer pessoa em prisão provisória. Até então, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral garantia esse direito, mesmo a quem ainda não tinha sentença final.
"Preso não pode votar. É um contrassenso"
"O voto é expressão da plena cidadania, pressupõe liberdade e autonomia de vontade, condições inexistentes durante a custódia", disse Marcel van Hattem durante o discurso de justificativa. Para ele, permitir que alguém detido sem condenação definitiva participe das eleições é uma "regalia" que desafia o senso comum. "Não faz sentido o cidadão estar afastado da sociedade, mas poder decidir os rumos da política do seu município, do estado e até do Brasil. Preso não pode votar. É um contrassenso, chega a ser ridículo." Van Hattem insistiu que a medida não é uma antecipação de pena, nem viola a presunção de inocência — "é apenas o reconhecimento de um limite fático e moral da cidadania, imposto pela própria restrição de liberdade". A emenda também impede que presos provisórios se candidatem, e exige que a Justiça Eleitoral cancela automaticamente seus títulos, sem necessidade de requerimento. Até então, mesmo presos sem condenação tinham direito de votar, desde que não estivessem em regime fechado por sentença transitada em julgado.Um voto que pode ser usado como arma
Mas nem todos viram a aprovação como uma medida puramente jurídica. O líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), votou a favor — mas com uma ressalva pesada. "Vamos votar 'sim' sabendo que é inconstitucional", afirmou. Ele ironizou: "Parece que o Partido Novo já abandonou Bolsonaro. Agora quer tirar o voto dele. Hoje acontece o seguinte: quem tem trânsito em julgado não vota. Agora, já estão querendo antecipar para a prisão provisória a fim de impedir o voto de Bolsonaro." A referência ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro não foi casual. Ele está envolvido em múltiplos processos judiciais, incluindo investigações por crimes contra a democracia, e está sob prisão preventiva em um caso em análise pela Suprema Corte. Farias também citou o caso da deputada Carla Zambelli (PL-SP), detida na Itália por ordem judicial, como exemplo de como a medida pode ser usada de forma seletiva contra opositores — especialmente em um contexto de polarização extrema.O que muda na prática?
Antes da emenda, cerca de 210 mil pessoas estavam em prisão provisória no Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça de outubro de 2025. Estima-se que pelo menos 30% delas — ou cerca de 63 mil — tinham título de eleitor regular e poderiam votar. Com a nova regra, esses cidadãos terão seus títulos cancelados automaticamente. A Justiça Eleitoral terá de integrar dados com o sistema penitenciário nacional para identificar e excluir esses eleitores — um desafio logístico que pode gerar atrasos e erros.A mudança também afeta candidaturas. Qualquer pessoa presa preventivamente será automaticamente inelegível, mesmo que ainda não tenha sido julgada. Isso pode impactar candidatos de partidos de oposição, especialmente em municípios onde a prisão preventiva é mais comum por pressão política ou judicial. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia já anunciou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal assim que a emenda for sancionada.
Um projeto mais amplo, com impactos além do voto
A emenda sobre o voto é apenas um trecho de um projeto muito maior. O Marco Legal do Combate ao Crime Organizado também cria o crime de "domínio social estruturado", punido com 20 a 40 anos de prisão — podendo chegar a 67 anos com agravantes. Define novas tipificações como "novo cangaço" e "controle territorial por violência", e obriga líderes de facções a cumprirem pena em presídios federais de segurança máxima, sem anistia, indulto ou liberdade condicional. A proposta ainda endurece as regras para progressão de regime em crimes hediondos, como tráfico e latrocínio.Essas mudanças foram celebradas por policiais e magistrados que enfrentam o aumento da violência em regiões como o Norte e Nordeste, mas geram preocupação entre defensores de direitos humanos. "O Brasil já tem a terceira maior população carcerária do mundo. Não é preciso mais prisão — é preciso justiça", disse a professora de direito constitucional Dra. Lívia Mendes, da Universidade de São Paulo. "Essa emenda transforma prisão provisória em sanção política. E isso é perigoso em qualquer democracia."
Agenda no Senado: um novo capítulo de tensão
A proposta agora segue para o Senado Federal, onde enfrentará uma batalha jurídica e política. A maioria dos senadores é mais cautelosa em questões de direitos civis, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já sinalizou que o tema exigirá audiências públicas e pareceres da Procuradoria-Geral da República e da Defensoria Pública da União.Se aprovada no Senado, a emenda ainda precisará da sanção presidencial — e aqui entra outro fator: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não se manifestou publicamente. Mas fontes próximas ao Palácio do Planalto indicam que ele tem reservas sobre a medida, especialmente por seu potencial de ser usado como instrumento político. A expectativa é que o debate se estenda até o final de 2026, com mobilizações de movimentos sociais, igrejas e entidades de direitos humanos.
Por que isso importa para você?
Essa não é só uma questão de prisões ou eleições. É sobre quem decide o que é cidadania. Se a prisão provisória — muitas vezes baseada em suspeitas, sem julgamento — pode tirar direitos fundamentais, então o que garante que isso não será usado contra jornalistas, ativistas ou líderes políticos? O Brasil já passou por períodos em que o voto foi usado como arma. A história não se repete — mas muitas vezes se assemelha.Frequently Asked Questions
Por que presos provisórios tinham direito a votar antes?
Antes da emenda, o Tribunal Superior Eleitoral entendia que a presunção de inocência protegia o direito político, mesmo para quem estava preso sem condenação definitiva. Apenas quem tinha sentença transitada em julgado perdia o direito de votar. Essa interpretação era mantida desde 2003 e reafirmada em 2019, quando o TSE negou um pedido para suspender o voto de presos preventivos.
A emenda é inconstitucional?
Muitos juristas afirmam que sim. O artigo 15 da Constituição de 1988 só permite a suspensão do direito de votar em casos de condenação transitada em julgado, interdição judicial ou perda da nacionalidade. A emenda tenta criar uma nova hipótese — prisão provisória — que não está prevista na Carta Magna. A Procuradoria-Geral da República já indicou que, se aprovada, deverá ser questionada no Supremo Tribunal Federal.
Quem será afetado pela mudança?
Cerca de 63 mil pessoas presas preventivamente em 2025, segundo o CNJ, perderão automaticamente o título de eleitor. Isso inclui pessoas acusadas de crimes menores, como furto ou porte de drogas, que estão detidas por falta de fiança. Também afeta políticos sob investigação — como Jair Bolsonaro e Carla Zambelli — que ainda não foram condenados, mas estão presos ou em prisão domiciliar.
O que acontece se o Senado rejeitar a emenda?
Se o Senado não aprovar, a regra atual permanece: presos provisórios continuam elegíveis e com direito ao voto. Mas a pressão política para mudar isso pode aumentar, especialmente se houver novos casos de líderes de facções criminosas tentando influenciar eleições locais. A Câmara pode tentar reenviar a proposta em outra forma, ou criar um novo projeto com ajustes para tentar contornar a inconstitucionalidade.
Há precedentes internacionais?
Sim. Nos Estados Unidos, por exemplo, 48 estados proíbem o voto de presos condenados, mas apenas 12 incluem presos provisórios. Na Alemanha e na França, o voto é garantido mesmo para condenados. O Brasil, até agora, seguia a linha europeia — mas com essa emenda, passa a seguir um modelo mais restritivo, semelhante ao de países com sistemas penais mais punitivos, como a Rússia e a Turquia.
Como saber se meu título foi cancelado?
A Justiça Eleitoral deve notificar os eleitores afetados por carta registrada ou por meio do aplicativo e-Título. Mas o cancelamento será automático após a confirmação da prisão provisória no sistema do CNJ. Se você ou alguém que conhece estiver preso e não receber notificação, é possível consultar o status do título no site do TSE ou comparecer a uma junta eleitoral com documento de identificação e comprovante de prisão.
Guilherme Peixoto
novembro 20, 2025 AT 15:37