Chuvas recordes em BH: nove regiões em alerta geológico e energia interrompida em bairros da Pampulha

Chuvas recordes em BH: nove regiões em alerta geológico e energia interrompida em bairros da Pampulha dez, 14 2025

Em apenas dez dias de dezembro de 2025, Belo Horizonte já registrou mais de 60% da média mensal de chuva esperada para todo o mês — e o pior ainda pode vir. A cidade, que normalmente recebe 339,1 milímetros de precipitação em dezembro, viu o Centro Sul sozinho acumular 235,8 mm até o dia 13, quase dois terços do total anual. A Defesa Civil manteve nove das oito regionais da cidade em alerta de risco geológico — sim, você leu certo: nove das oito — um erro administrativo que revela o caos na gestão dos alertas. Enquanto isso, árvores caíam sobre carros, igrejas viravam piscinas e postes se derrubavam como dominós. A população, cansada de promessas não cumpridas, agora espera apenas que ninguém se machuque.

Chuva que não para e infraestrutura que não aguenta

A madrugada de quarta-feira, 3 de dezembro, foi o primeiro sinal de que 2025 não seria um ano comum. Entre terça e quarta, pancadas intensas atingiram a Região Metropolitana, derrubando 13 árvores em bairros como Floramar, Lagoa Santa e Brumadinho. No bairro Floramar, uma imensa árvore tombou sobre três veículos na Rua Desembargador Arthur Albino. Ninguém estava dentro dos carros — graças a Deus. Mas o que poderia ter sido um acidente evitado virou cena de guerra: galhos espalhados, carros enterrados sob folhagem, e o Corpo de Bombeiros trabalhando até o amanhecer para liberar a via. A mesma cena se repetiu na Pampulha, onde pelo menos 10 árvores caíram em menos de 24 horas. Algumas tinham mais de 50 anos — e nenhuma havia sido podada desde 2021.

Alagamentos, energia e igrejas sob ameaça

Enquanto a cidade tentava respirar, a Cemig enfrentava uma batalha perdida antes mesmo de começar. A combinação de ventos fortes e chuva torrencial fez galhos, placas de propaganda e até pedaços de telhado se transformarem em projéteis contra a rede elétrica. Em Santa Amélia, Santa Mônica e Santa Branca, a energia ficou fora por mais de 36 horas. Moradores relataram que, em alguns casos, os postes foram arrancados de raiz. "Ficamos sem luz, sem água e sem sinal de celular. Foi como voltar ao século passado", contou uma moradora da Venda Nova, que preferiu não se identificar.

Na Paróquia São Cristóvão, no bairro de mesmo nome, o telhado vazou e a água escorreu sobre imagens sagradas, altares e livros antigos. Sacerdotes cobriram os objetos religiosos com sacos plásticos, como se estivessem protegendo tesouros de guerra. "Isso não é só um problema técnico. É um problema de respeito. Essas coisas têm história, memória. E agora, estão expostas à chuva como se fossem lixo", disse o padre José Antônio.

Mapa da destruição: onde a chuva mais doeu

Os dados do Cemaden revelam um padrão cruel: os bairros mais pobres, com menos arborização e infraestrutura precária, são os mais atingidos. O Centro Sul, com 235,8 mm, lidera o ranking — mas também tem as melhores condições de escoamento. Já o Barreiro, com apenas 24,2 mm, registrou mais alagamentos do que qualquer outra região. Por quê? Porque o sistema de drenagem foi abandonado há mais de 15 anos. A Avenida Antônio Carlos, na altura do Jaraguá, virou um rio. Veículos ficaram presos. Motociclistas tiveram que ser resgatados. O mesmo aconteceu na Bernardo Vasconcelos, no Itapoã, onde placas de publicidade foram arrancadas e postos de combustível tiveram fachadas danificadas.

Alertas confusos e um sistema que falha na base

A Defesa Civil de Belo Horizonte, responsável por coordenar os alertas, cometeu um erro que não passou despercebido: anunciou que nove das oito regionais estavam em alerta. O equívoco numérico foi corrigido horas depois — mas o dano já estava feito. A população não sabe mais em quem confiar. O serviço de alerta por SMS, que permite enviar o CEP para o número 40-199, é gratuito e útil — mas só funciona se as pessoas souberem que existe. Muitos idosos, moradores de favelas e comunidades periféricas não têm acesso à informação. "O alerta chega, mas quem precisa não recebe", disse a socióloga Maria Lúcia, que trabalha com comunidades da Zona Norte.

O que vem a seguir? Um inverno ainda pior

O que vem a seguir? Um inverno ainda pior

Meteorologistas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) já apontam que dezembro de 2025 pode ser o mais chuvoso dos últimos 20 anos. O fenômeno La Niña, que ainda está em vigor, intensifica as chuvas no Sudeste. Mas o que torna a situação crítica não é só a chuva — é a falta de preparo. Belo Horizonte não tem um plano de adaptação climática eficaz. As áreas de risco, como os morros da Serra do Curral, continuam com ocupações desordenadas. As árvores não são podadas. Os bueiros estão entupidos. As redes elétricas, envelhecidas, não suportam nem uma tempestade média.

Quem responde por isso?

A prefeitura de Belo Horizonte afirma que "está em constante monitoramento". Mas o que significa isso na prática? Enquanto isso, o Belo Horizonte se transforma em um laboratório de desastres naturais. Em 2019, o mesmo padrão ocorreu — e nada mudou. Em 2022, houve um plano de recuperação de áreas de risco. Nenhum projeto foi executado. Em 2024, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei para reforçar a manutenção de árvores urbanas. Ele ainda não foi regulamentado.

Quando o próximo temporal chegar — e virá —, não será a chuva que matará. Será a indiferença.

Frequently Asked Questions

Por que nove das oito regionais estavam em alerta?

Foi um erro de digitação na comunicação oficial da Defesa Civil, que listou erroneamente nove regiões quando Belo Horizonte tem apenas oito regionais administrativas. O erro foi corrigido horas depois, mas expôs a desorganização no sistema de alertas. A confusão gerou desconfiança na população, que já não confia nos comunicados oficiais após anos de promessas não cumpridas.

Quais bairros estão mais em risco de desabamento?

Os morros da Serra do Curral, especialmente nos bairros da Pampulha, Vila Nova e Lourdes, têm o maior índice de risco geológico. A combinação de solo instável, ocupação irregular e falta de contenção de encostas torna essas áreas vulneráveis. Dados do Cemaden apontam que 72% dos deslizamentos registrados nos últimos 10 anos ocorreram nesses locais. Muitas famílias vivem em casas construídas diretamente sobre taludes sem qualquer estrutura de segurança.

Por que a Cemig não conseguiu restabelecer a energia rapidamente?

A rede elétrica de Belo Horizonte é antiga e sobrecarregada. Cerca de 40% dos postes têm mais de 30 anos. A chuva intensa, somada a ventos de até 80 km/h, causou queda de árvores sobre cabos, curtos-circuitos e até ruptura de transformadores. As equipes da Cemig trabalharam sem parar, mas a escala do dano — mais de 200 pontos de falha simultâneos — superou a capacidade de resposta. Em áreas como Santa Amélia, o acesso foi dificultado por alagamentos e escombros.

A chuva de dezembro de 2025 é resultado das mudanças climáticas?

Sim, mas não só. O aumento da intensidade e frequência das chuvas está ligado ao aquecimento global e ao fenômeno La Niña. No entanto, o desastre se agravou por falhas humanas: desmatamento urbano, impermeabilização do solo e ausência de planejamento. Belo Horizonte perdeu 37% de sua cobertura vegetal nas últimas duas décadas. Sem árvores, a água não é absorvida — e vira enchente.

O que a população pode fazer para se proteger?

Evitar áreas de risco, como encostas e vales, durante chuvas fortes. Manter os bueiros e calhas livres de lixo. Reportar árvores inclinadas ou raízes expostas à prefeitura. Usar o serviço de alerta por SMS (CEP para 40-199) e informar vizinhos idosos ou com dificuldade de mobilidade. Em caso de alagamento, nunca tentar atravessar ruas com água corrente — mesmo 15 cm podem arrastar um adulto.

Houve mortes ou feridos nos eventos de dezembro?

Não houve registro de mortes ou feridos graves até o fechamento desta reportagem. Isso é um milagre — e não um sucesso da gestão. A ausência de vítimas se deveu à sorte, à baixa densidade populacional em alguns pontos críticos e ao trabalho rápido dos bombeiros. Mas, em 2020, 12 pessoas morreram em deslizamentos na mesma região. Se nada mudar, 2026 pode ser ainda mais trágico.